Fazenda da Barra foi construída em 1851 pelo Tenente Francisco Álvares de Magalhães. O objetivo seria a produção de café. Ele e seu irmão Roque haviam herdado terras de sesmaria que se estendiam do “caminho para cima” próximo à localidade de Formoso. Caminho aqui se refere ao Caminho Novo da Piedade, que ligava a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade (atual Lorena) a Fazenda Real de Santa Cruz, dos Jesuítas, (atual Santa Cruz – RJ). Essas terras divisavam com a Fazenda Formoso, de propriedade de José Celidônio Gomes dos Reis, que viria a ser sogro de ambos.
Ao longo da estrada, que hoje aparece nos aplicativos de viagem como “Estrada do Barão”, eles fundaram inicialmente as fazendas Catadupa e Barra e mais tarde também a Guanabara, quando casaram seus filhos Nicanor e Maria Ambrozina, filhos respectivamente de Francisco e de Roque.

Uma fazenda de café necessitava água em abundância e isso determinava a escolha do local para a sua construção. Francisco escolheu o encontro dos ribeirões Segredo e Formoso (barra dos rios). Ali também havia outro córrego com bastante água, além de várias nascentes menores. O ponto escolhido ficava à margem direita do rio Segredo e era uma encosta íngreme coberta de floresta nativa original com grandes rochas arredondadas. As árvores foram abatidas e serradas, as pedras foram cortadas e empilhadas em grandes muros, colunas, escadarias e baldrames. Telhas e paredes de barro, tijolos de adobe foram produzidos. Aos poucos o terreno foi se tornando plano e as construções foram se destacando em torno de três grandes terreiros pavimentados com pedra e calafetados com massa de cal e óleo de baleia.

A mão de obra para tudo isso era a de africanos escravizados, que realizavam praticamente todos os serviços. Esse trabalho somado a implantação e manutenção das roças requeria uma grande quantidade de trabalhadores, razão pela qual a maior parte das construções se destinava às senzalas. Além dessas e da casa grande, que servia de moradia ao fazendeiro, havia a tulha, a casa de máquinas, os tanques de lavagem de café, as instalações da roda d’água e do moinho.

A casa grande seguiu um modelo diferenciado em relação às demais fazendas da época. Na área central, onde normalmente se encontram as alcovas, há um jardim interno. Uma inovação importante que certamente trouxe maior iluminação e ventilação. Em sua maioria os quartos possuíam duas ou mais portas e podiam ter comunicação entre si. A entrada também fugia ao comum, uma escada de dois lances, de pedra e externa, levava a uma varanda coberta com cerca de ferro e corrimão de madeira. A porta de entrada relativamente simples se abria num “hall”, que dava passagem ao salão social, ao quarto de hóspedes e a área íntima da casa. Ali havia uma sala entre dois quartos e um pequeno corredor que levava à sala de jantar. Esta dava abertura a quatro quartos e passagem para a área do serviço, que incluía a cozinha e outras dependências, além da lavanderia bem ao fundo. O salão da frente dava entrada à capela e a um quarto, que se comunicava com o quarto principal, o qual também se comunicava com o quarto das filhas do casal. Os filhos homens ocupavam os outros cômodos. Os escravizados domésticos dormiam nos porões da casa, cujo acesso se dava pelo jardim interno e pelo cômodo que ligava a sala de jantar à cozinha. O porão frontal, com duas janelas e duas portas e com paredes de pedra, provavelmente não era usado como moradia mas para outros fins. Aos fundos e à esquerda da casa, do lado externo, havia as instalações do moinho, que em algum momento foi também usina. Ali se produzia o fubá que era base da alimentação das pessoas escravizadas. Acredita-se que a Fazenda da Barra tenha abrigado uma centena de pessoas nessa situação.

Em 1858 Francisco casou-se com Marianna e mudou-se definitivamente para a Fazenda da Barra. Ele que já possuía alguns escravos recebeu outros da herança que sua mãe lhe deixou em vida. Mariana trouxe em seu dote outros tantos. Passaram a comandar a produção de café da fazenda. Francisco ainda possuía a Fazenda do Bonito nas terras altas da Bocaina, destinada a produção de gado. Para lá enviou seu filho Alberto que sofria de problemas pulmonares. Seu primogênito Nicanor assumiu a Fazenda Guanabara, talvez como dote de sua esposa Maria Ambrozina, filha de seu tio Roque. A atividade cafeeira da família envolvia várias etapas do processo, não apenas a produção, mas também o transporte e a exportação. Consta que dois irmãos de Francisco, Joaquim e Antônio possuíam um entreposto no porto de Mambucaba, local do embarque do café.

Desde sua fundação até a abolição em 1888 a Fazenda da Barra dedicou-se exclusivamente a produção cafeeira. A maior parte desse período o café era levado a Mambucaba no lombo de mulas pelo alto da serra. Provavelmente usando animais da própria fazenda. A partir de 1877 iniciou-se a construção da ferrovia Resende – Bocaina, que só chegou em Barreiro em 1890, mas tudo indica que tenha operado antes disso a partir da Estação Formoso. O café então passaria a ser levado ao Rio de Janeiro por terra. Deve ter sido um grande alívio aos cafeicultores já que encurtava muito as distâncias do transporte por mulas.

Na fazenda o café era plantado em linhas de morro acima, contrariando as recomendações de plantio em curvas de nível, talvez para facilitar o controle do trabalho nas lavouras. Na época da colheita o café era jogado em um grande tanque de água corrente, onde era separado de impurezas, como folhas e galhos. Dali passavam um tempo nos terreiros para a secagem, quando eram revolvidos de tempos em tempos. Uma vez seco o café voltava a ser lavado, passava por um rápido período de secagem e era levado a uma bateria de pilões, movidos pela roda d’água, que quebravam a casca dos grãos. Estes eram então abanados, manipulados e ensacados respeitando aos padrões de qualidade da época. As sacas eram armazenadas na tulha esperando para serem transportadas.

O método de plantio facilitava a ocorrência de enxurradas e a consequente degradação das lavouras, que eram sempre acrescidas de novas. Em 1890, quando do falecimento do Francisco a fazenda dispunha de 324 mil pés de café em 314,5 alqueires de terra. E, diga-se de passagem, nenhum escravizado para realizar o trabalho necessário. A viúva Marianna permaneceu na Fazenda até o seu próprio falecimento, em 1894, quando os herdeiros venderam a fazenda ao Visconde de São Laurindo, fazendeiro de Bananal.

Especula-se que a Fazenda da Barra e também outras fazendas, situadas nas rotas do tráfico de escravos, tenham de alguma forma participado dessa atividade, funcionando como local de alimentação, pernoite e descanso para os traficantes que conduziam grande número de escravizados. Algumas dessas rotas deviam passar exatamente pela fazenda da barra e talvez essa atividade rendesse algum lucro extra para o fazendeiro. Pode ter sido, mas não há nada concreto a esse respeito. O que se sabe é que o tráfico passava pela região com destino às lavouras de café ao longo de todo o Vale do Paraíba e que alguns dos grandes cafeicultores seriam responsáveis pela condução dessa atividade.

Pouca informação se tem sobre a Fazenda da Barra durante o período entre 1894 e 1923. Especula-se que em algum momento o Visconde de São Laurindo deve tê-la hipotecado e a tenha perdido em pagamento. Em 1912 havia um administrador contratado pelo Banco do Brasil e em 1923 ela foi arrematada em leilão pelo advogado Salvador Felício dos Santos. É provável que tenha havido uma transição gradual do café para a pecuária e a agricultura de subsistência. A partir de 1923 já com o Núcleo Colonial Bandeirantes se estabelecendo intensificou-se essa tendência. Milho, feijão, arroz, tabaco, mandioca, banana, pêssego, pera, lima, laranja, limão, abóbora, hortaliças, inhame, cará, mangarito… De tudo se plantou por aqui e houve um período de relativa fartura. Havia também a exploração da madeira original remanescente, as matas secundárias podem ter sido transformadas em lenha ou carvão, pastagens foram sendo implantadas, vacas leiteiras e outros animais como porcos, galinhas, patos, gansos, etc. Certamente muito disso já se praticava desde os tempos do café, mas em menor escala.

Em 1923 Salvador deve ter dado continuidade às atividades que já vinham sendo conduzidas, provavelmente com ênfase na pecuária, uma vez que os solos do entorno da fazenda se encontravam cansados e mais propensos à formação de pastagens. Com sua morte, poucos anos depois, a viúva, Amália Coimbra, teria vindo morar na fazenda. Não é muito claro desse momento em diante quem teria de fato assumido a administração da fazenda, talvez um dos filhos. O que parece certo é que a administração da fazenda tenha sido revesada entre Sílvio Marques de Oliveira, filho de Domingos Marques de Oliveira, dono da Fazenda Catadupa, e Aurélio Coimbra Teixeira, sobrinho de Amália e primo de Antonina, esposa de Sílvio e filha de Amália e Salvador. Uma irmã de Sílvio, Odila, casou com Adelmaro Felício dos Santos, irmão de Antonina, que foi prefeito de Barreiro e provavelmente administrou a Fazenda Catadupa. Aurélio foi vereador em Barreiro e teria administrado a Fazenda da Barra nas décadas de 40, 50 e 60. Sílvio o teria substituído até a década de 80, quando seu filho Rogério Marques de Oliveira assumiu. O nome oficial da estrada do Barão é Vereador Aurélio Coimbra Teixeira!

Durante esse período pouca importância se deu aos aspectos históricos da propriedade. As imponentes colunas e muros de pedra, os terreiros de café, as sobras do antigo maquinário, a roda d’água… Provavelmente muito material de ferro, incluindo aí a roda d’água, deve ter sido vendido. Sobre os terreiros foram plantadas mudas de árvores, paineiras, flamboaiãs, casuarinas e buganvileas. Nativas como o cedro, embaúvas, suinãs e figueiras foram se instalando e competindo com as estruturas humanas.

Rogério, arquiteto, teria se interessado mais pelos aspectos arquitetônicos da propriedade e com muito cuidado tratou de restaurá-la. Refez o telhado, que havia selado, parte do forro da sala de jantar, que havia caído, pesquisou as cores originais e tratou de iniciar o processo de pintura da fachada. Na parte da produção deu continuidade a uma tendência já bem firmada na época, a pecuária leiteira, ainda que de forma despretensiosa e delegada a terceiros. Pode-se dizer que nesse período a ênfase tenha sido o lazer e o uso recreativo da propriedade como casa de campo.

A partir de 1990 Daniela, filha de Rogério, e o seu cônjuge passaram a administrar a fazenda, inicialmente dando ênfase à produção de hortaliças com compostagem feita a partir de esterco bovino e restos orgânicos disponíveis na propriedade. Nesse momento as vacas serviam como apêndices da horta porém, como havia o leite, também produziram queijos artesanais, principalmente do tipo frescal. Essas atividades não se mostraram rentáveis e gradativamente começaram a se dedicar a atividade turística, a princípio servindo almoço para os hóspedes do Hotel Barreiro, hoje extinto, mas na época gerenciado por Roberto Novaes, que se tornara um grande amigo do casal.

Iniciou-se a implantação de uma pousada que aos poucos foi se transformando em hotel fazenda e finalmente se tornou uma fazenda que hospeda visitantes. Esse período dura até os dias atuais. A casa passou por algumas adaptações, como a construção de banheiros e o fechamento de algumas portas que ligavam os quartos, sempre mantendo as características arquitetônicas do imóvel. O sucesso da atividade garantiu as medidas necessárias para a conservação desse importante patrimônio. O telhado sofreu duas reformas, além daquela que já havia sido feita por Rogério, fez-se o reparo das fundações para deter as rachaduras das paredes, trocou-se o forro do salão principal e de alguns quartos, completou-se a pintura da casa, fez-se a troca das caixas d’água e o encanamento da água, que até então corria a céu aberto. Construiu-se uma fossa séptica e uma caixa de gordura, passou-se a separar o lixo e dar destino apropriado aos recicláveis e aos orgânicos. Foram plantadas árvores nativas e se promoveu a limpeza e o resgate das ruínas, com remoção de lixo de várias gerações, mato e árvores que ameaçavam derrubar essas estruturas.

Hoje se pratica na propriedade o turismo rural consciente, a agricultura orgânica de subsistência e a preservação e recuperação da floresta nativa. Entre os atrativos turísticos destacam-se a visitação guiada, com foco na arquitetura e história, o day use, com foco no lazer, e a hospedagem, que pode unir o lazer ao ecoturismo, turismo cultural e histórico. Na área dos antigos cafezais é mantida uma trilha que leva a cachoeiras, mirantes e recantos de interesse turístico. Vários pontos da trilha possuem nomes em homenagem a alguns dos escravizados que aqui viveram.


    A Fazenda da Barra está situada na Serra da Bocaina, município de São José do Barreiro, SP, que faz parte do circuito turístico do Vale Histórico.
    Quando vier para a Serra da Bocaina ou para o Vale Histórico não deixe de conhecer a Fazenda da Barra!

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